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Entrevista Escritora Hilda Dalla Valle- por Angélica Rizzi

1-Hilda Dalla Valle, mulher, enfermeira, militar,escritora o que
mais.Como iniciou a tua carreira  e de que forma ela se manifestou na
infância?
Acrescento a isso esposa por 25 anos, mãe, dona de casa...

A carreira começou com a necessidade de trabalhar porque queria muito continuar estudando e isso só seria possível se eu tivesse como me manter e pagar pelas minhas despesas de instrução.  Foi muito natural escolher trabalhar em enfermagem. Não foi uma decisão pensada. Foi pura intuição. Talvez porque existisse em mim uma predisposição para cuidar dos outros, de crianças recém nascidas, fazer os curativos quando os amigos se machucavam e assim, quando surgiu a necessidade, escolhi o que o coração apontava. Então fiz um curso de auxiliar de enfermagem, comecei a trabalhar e continuei estudando. Fiz a graduação na UNISINOS, que na época era na Santa Casa, e trabalhava no Hospital Moinhos de Vento. Quando me formei surgiu o concurso para a 1ª turma de mulheres militares e eu podia fazer como enfermeira. Aí o resto é a história.
2-Tu és formada em vários cursos universitários, e após lançou um
livro com um título muito interessante para ti a carreira de escritora
acabou por se manifestar para Hilda depois de várias etapas
vividas.Explique..

Isso mesmo. Não estava em meus planos incluir a carreira de escritora, apesar de gostar muito de escrever e seguidamente falar “um dia ainda escrevo sobre isso”, quando vivenciava alguma coisa muito incomum no quartel ou hospital. O tempo passou e algumas coisas começaram a falar mais alto. Coisas que, quando se é jovem, tem-se uma percepção e depois de muitas experiências elas ganham um significado diferente. Comecei a perceber que depois de certa idade o que acontece na vida da gente não é nada pessoal. Que a vida é muito democrática e que tudo pode acontecer com todos. E nesse movimento a vida vai presenteando com um leque muito grande de sentimentos que se precisa conhecer, reconhecer e conviver. E como não é uma tarefa muito fácil, comecei escrever essas reflexões e guardar numa gaveta. Em um determinado momento foi como se toda essa escrita tivesse sido gestada e quisesse ganhar vida. Nessa fase já estava na reserva, amargando as frustrações de muitas perdas, e também trabalhava com grupo de mulheres que queriam entender um pouco mais as transformações da maturidade. Num desses encontros o grupo precisou utilizar a cozinha experimental de uma das participantes que era culinarista. E nesse ambiente, de repente, olhando para aquelas mulheres, de diferentes profissões e falando dessas descobertas com um sentimento tão comum a todas, e numa cozinha...Foi quando enxerguei, com muita clareza o lugar que cada uma estava tentando achar. E resolvi a eterna dúvida que suportei, e acredito que a minha geração suportou, ao ouvir “lugar de mulher é na cozinha” (“- Será que não é mesmo?”) Sim, Lugar de mulher é na cozinha e onde mais ela quiser. E foi assim que enxerguei o livro pronto, com o material disponível para o que tinha sido escrito.
Destaco que apesar do título ser bem provocativo, o livro não tem uma proposta feminista. Tem um convite para que cada um – mulher ou homem- escute seu querer.   .  

3-Quando menina qual das manifestações VOCACIONAIS te chamou mais atenção.
Foi, com certeza a de enfermeira, algo que sou até hoje mesmo trabalhando com desenvolvimento de pessoas, com cursos e palestras. A intenção ainda é a mesma. Cuidar de pessoas para que elas possam descobrir todo seu potencial e desfrutar do melhor da vida, com saúde.

-Alguma escritora te inspirou nesta tua caminhada?
Li muitas mulheres e certamente as contribuições são inestimáveis, de todas elas. Na época que eu escrevia o livro, ler a Lia Luft, que estava lançando um livro com essa temática, foi muito encorajador.  
 .

5-Tu fazes palestras, participa de entrevistas e debates. O fato de tu
teres seguido uma carreira militar mudou o teiú ponto de vista em
relação ao universo feminino?
Sim, com certeza. Ampliou a minha percepção dos alcances e limites da mulher em nível pessoal, grupal e social. E que esse ..”onde mais ela quiser” tem um preço e precisa de disposição e muito entendimento para não reproduzir modelos, nem para seguir a tirania do que a sociedade cobra  ou impõe como certo. (ter que trabalhar fora de casa, culto exagerado a um determinado padrão de beleza, sinais exteriores de status, enfim....). Compreendi que concretizar a ambição de ser quem se pode ser ou reconciliar-se com os próprios limites, é um esforço para toda a vida e uma decisão pessoal. Nesse universo o caminho da realização é individual e intransferível.
 

6)Em uma conversa ao telefone em nosso primeiro contato tu dissestes
que o fato da mulher ter tido que lutar pela sua liberdade e ainda
luta é claro, fez com que ela tivesse mais jogo de cintura para certas
situações que os homens ainda não estão preparados.Explique
A diversidade de tarefas, a luta pela conquista de espaços deu muita flexibilidade para as mulheres mas pode nos  manter numa espécie de batalha diária que cria uma visão distorcida ou parcial da realidade. Algo que usa termos de comparações das mulheres versus os homens, e, por isso podemos não nos dar conta que avançamos para um estado além do conflito, uma zona de expansão que precisamos tomar consciência para desfrutar das muitas conquistas. Reverter esse modelo, criar essa consciência de autonomia, melhorar a auto-estima, ajudará a construir um mundo mais inclusivo, tolerante e descentralizado e acredito que essa é uma tarefa do feminino. O mundo da linguagem mais masculina, extremamente racional e objetiva nos trouxe até aqui. Uma massa crítica de mulheres aprendeu tudo isso sem excluir o que já sabia.  E agora é o tempo de compartilhar outras formas de fazer. O desafio é aprender juntos.   Costumo falar que esse mundo será transformado pelas mulheres... e homens que acreditarem nisso! Vamos ver.



     


7) Quais os teu p´rojetos para 2011/2012 mais um livro.
Sim, quero dar forma ao projeto de mais um livro com material que já venho pesquisando e com as contribuições de muitas mulheres dos grupos de trabalho.Também quero dar continuidade aos cursos com mulheres nessa proposta de expansão de consciência.

8) Como é o teu dia-dia de mulher, profissional. Escritora.
Hoje, felizmente, a maior parte do tempo tem certa rotina que inclui horário para trabalhar (consultorias, cursos, palestras, escrever, estudar, preparar material para os cursos, cuidar da casa, às vezes fazer comida, fazer mercado, pagar contas, etc.) e cuidar de mim (meditação, atividade física, curtir os amores – família de origem, filhos, amigos - , assistir um bom filme, ler, viajar) Às vezes, quando fica muito corrido eu faço o exercício de “uma coisa de cada vez” e aí tudo se encaixa e dá certo.

9) Onde é que a Hilda encontrou forças para sempre seguir em frente.
E não foram poucos os convites para desistir, parar e me acomodar. Atribuo o fato de ter continuado à minha fé em Deus. Tive muitas experiências, desde muito cedo da presença de algo incompreensível, fora de qualquer lógica e aprendi a aceitar isso como milagre. Reconhecer que eles estão continuamente acontecendo em minha vida treinou meu olhar nessa direção e me ensinou a gratidão. Dessa forma, dá prá continuar com a certeza de que “tudo vai dar certo”. Além disso, a esquadria da minha vida, que inclui Deus, inclui a família, amigos e trabalho. Tenho na meditação a minha forma de orar e a minha conexão com o Divino. Na família, amigos e no trabalho, o suporte necessário para o meu dia a dia.

9-Dicas para quem almeja a carreira de escritora.
Escrever exige uma grande disciplina, muita leitura e tem que priorizar tempo para isso.
Também tem bons cursos e oficinas de escrita criativa que podem ajudar.
Bate-bola:


1-uma ídola
Cora Coralina

2-um lugar.
Bento Gonçalves


3-a arte das palavras para ti  é
Dança muda, mudança

4-lazer
viajar
5-Palavra que te defines.
Coragem

6-uma frase
“Aprendi com as primaveras a me deixar cortar. E a voltar sempre inteira”. (Cecília Meireles)

7-Um livro
Marcas de nascença, de Nancy Huston

8-Uma música.
De volta prá casa, Cássia Eller

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